O Sinapse CI – projeto especial do Sinapse Conteúdos de Comunicação em Rede em parceria com a P3K Comunicação – proporcionou, em outubro, mais um bate-papo valioso! Em um encontro online, que contou com a presença de 46 profissionais, de sete diferentes estados, Marlene Marchiori, Paulo Nassar e Elizeo Karkoski, com a mediação de Rodrigo Cogo, trouxeram reflexões que demonstraram a relevância das histórias na cultura organizacional das empresas, podendo “moldá-la, estimulá-la ou até mesmo boicotá-la”, segundo falas dos convidados.
Confira abaixo a cobertura completa deste terceiro encontro!
Você sabe o que é storytelling?
Previamente ao encontro, Rodrigo Cogo enviou uma enquete no grupo temporário de WhatsApp do Sinapse CI, questionando os participantes sobre em que momento ocorre, para eles, a interrelação entre cultura organizacional e histórias. A ação permitiu um esquenta para o evento, ao trazer que a maioria dos participantes acreditam que essa relação ocorre tanto através de histórias reais, quanto ficcionais.
A partir desse gancho, Cogo trouxe uma breve explicação sobre o termo storytelling, esclarecendo a diferença entre story – com o exemplo da jornada do herói – e history – com o modelo de entrevista de histórias orais de Paul Thompson, comparando-as com o que também ocorre na língua portuguesa, nas grafias “estória” e “história”, que traziam (até alguns acordos ortográficos atrás) o sentido de “inventado” e “real”, respectivamente.
Estas fronteiras não são assim tão claras. Tratamos pedagogicamente de duas esferas distintas, mas elas se intercruzam: muitas vezes, lacunas de nossa memória ao relembrar um acontecimento passado podem ser preenchidas com algum grau de ficção, seja porque realmente não lembramos ou porque queremos omitir algum dado específico. Do mesmo jeito, a ficção se estrutura fortemente, na maioria dos casos criativos, em fatos reais”, explica Cogo. Ainda assim, na sua visão – ele, que é autor do livro “Storytelling: as narrativas da memória na estratégia da comunicação” (lançado pela Editora Aberje em 2016 a partir de sua dissertação de mestrado defendida na ECA/USP) –, haveria um alinhamento maior entre publicidade e marketing com o storytelling ficcional e idealizado e entre a comunicação e cultura corporativas com o storytelling real.
Ao trazer o telling como processo de difusão das histórias, que seria mais do domínio e da expectativa de ação dos comunicadores, o moderador defendeu a presença do comunicador na etapa de curadoria das histórias, ativando sua capacidade de escuta para selecionar e comunicar aos outros as memórias do entrevistado que, naquele momento, se transformam em narrativas. “Não somos somente os distribuidores dos conteúdos, mas devemos atuar no planejamento e na própria captação das histórias”, complementa ele. “As histórias possuem o poder de reforçar ou boicotar a cultura da organização. As pessoas precisam ter voz e protagonismo para demonstrar, na prática, essas narrativas no dia a dia”, finaliza Rodrigo.
A importância das pessoas na construção da cultura
“A participação das pessoas, a sua realidade e as suas vivências, é o que forma a cultura de uma organização. A presença ativa de todos, a troca de experiências, em jornadas mais participativas, forma o que é uma empresa – que inevitavelmente estará em constante transformação, assim como as suas pessoas.” Dessa maneira, Marlene Marchiori, mentora em Comunicação, Cultura e Estratégia, iniciou a sua participação no encontro, trazendo a importância das pessoas na construção da cultura.
Dando sequência à temática desta edição do Sinapse, Marlene trouxe o que, para ela, são as duas formas de se enxergar a cultura nas empresas: cultura variável – o que a organização possui – e cultura metafórica – o que a organização quer ser. Com isso, desejava demonstrar que a empresa deve pensar além da missão, visão e valores, pois é a história e a memória das pessoas que formam e dão sentido à cultura organizacional.
Segundo a mentora, a história oral traz o ser humano em sua constituição e, por meio dos relacionamentos formados, a cultura organizacional ocorre de forma processual, e não mecânica. Com isso, ao enxergar as pessoas nesse movimento orgânico, há uma mudança de postura nas organizações, que passam a construir as narrativas considerando todos aqueles envolvidos na empresa.
Afinal, são as pessoas que constroem a realidade da organização, criam as histórias e, consequentemente, a cultura. Portanto, para Marchiori, a presença do sujeito no processo, com a participação nas experiências, é fundamental para o fortalecimento de uma cultura organizacional eficaz.
Alinhado à essa premissa, de fato, as empresas estão deixando de ter uma postura controladora para uma postura participativa, ao ver a sociedade se posicionando cada vez mais como co-criadora das narrativas organizacionais. Segundo Marlene, precisamos ver a cultura como movimento que se constitui e se reconstitui a partir das pessoas. Assim, é fundamental vivenciá-la. É a partir destes movimentos que conseguimos observar a mudança, a sua evolução. Portanto, cultura não é algo enraizado, que não se modifica ao longo do tempo.
A cultura se forma a partir das pessoas, requer a presença delas. A história oral traz para a gente o ser humano. Os nossos discursos genuínos são luzes para a própria construção da cultura. É preciso ampliar o olhar sobre a cultura, pois são as nossas histórias que dão a condição autoral.” – finaliza Marchiori.
Cultivar narrativas nas organizações
Somado ao “clima de aula inspiracional” do encontro, foi a vez dos participantes ouvirem Paulo Nassar, Diretor-Presidente da Aberje e professor titular da ECA/USP. Trazendo referências de livros e artigos, além de cases, Paulo baseou grande parte de seu discurso na frase do filósofo francês, Paul Ricoeur: “A narrativa é um artefato da linguagem que organiza a nossa presença no tempo e no espaço”.
Explicando que essa frase também se aplica ao universo da comunicação nas organizações, iniciou sua fala explanando sobre cada um dos termos utilizados nela: um “artefato”, conforme comentou, traz na origem da palavra o “autoral, artesão, artista e arte”, que demonstra que toda narrativa possui um sujeito que a cria; e o “nossa presença”, pode ser aplicado ao indivíduo, a um território, ou a uma empresa.
Na sequência, comentou sobre a capacidade que a narrativa também possui para desorganizar a nossa presença no tempo, no espaço e nas memórias das pessoas – através de, por exemplo, desinformação. Afinal, a entropia e a desorganização da informação podem ser avassaladoras em um processo de comunicação.
Reforçando que a narrativa é um patrimônio humano – pois sem ela, não teríamos vínculo nenhum – e a importância de resgatá-la, Nassar descreveu alguns tipos de narrativas organizacionais: narrativas abrangentes (aquelas que costumam vir das pessoas que criaram a empresa); narrativas do cotidiano (ligadas ao dia a dia e ao operacional); e micronarrativas (individuais e vindas da experiência de cada colaborador); demonstrando o quanto são centrais na realidade da Comunicação Interna.
Para Paulo, toda narrativa é um discurso, pois possui intenção, e é criada a partir das experiências das pessoas, que são correlacionadas às suas memórias. Afinal, se não temos experiências de vida, como vamos falar em memórias? Portanto, devemos contar com as histórias do cotidiano, as micronarrativas e os depoimentos dos sujeitos.
Porém, para termos uma narrativa efetiva, também precisamos entender a existência do déficit de atenção constante dos nossos públicos, que diariamente são expostos à informação em excesso, dividindo a atenção o tempo inteiro. Por isso, Paulo Nassar considera os que trabalham com comunicação verdadeiros ‘cientistas da narrativa’.
Portanto, o papel do profissional de Comunicação Interna é, de fato, criar experiências que gerem memórias, trazendo a fixação das mensagens e o sentimento de pertencimento. Complementando, ele defende que os rituais nas organizações, criados num tempo e espaço singulares, e separados da “loucura em que a gente vive”, são os que melhor transmitem e reforçam a cultura – nos ajudam a criar vínculos, celebrar e aprender em conjunto.
Finalizando a sua participação, Nassar trouxe uma reflexão através da etimologia da palavra ‘cultura’, explicando que a sua origem vem da agricultura e do cultivo das plantações. E, nas organizações, é necessário o mesmo cuidado: cultivar narrativas e adaptá-las à cultura adequadamente, como por exemplo em casos de fusões e reestruturações de empresas.
A cultura de uma organização desempenha um papel fundamental na determinação de sua identidade, imagem, confiança e sucesso. Mas o que é cultura organizacional? É muito mais do que apenas uma lista de valores escritos em um papel ou expressos em formas audiovisuais ou digitais. É uma trama narrativa rica e complexa que abrange uma série de elementos interconectados, incluindo mitos, rituais, narrativas de origens, narrativas de sonhos e desejos, inovações e até mesmo os fracassos da empresa. É um tecido vivo que se manifesta no cotidiano das pessoas da organização, projetando o passado, o presente e o futuro” – encerra, Paulo.
Um case real: 15 anos P3K
Entrelaçando com a última fala de Nassar, o terceiro convidado do bate-papo, Elizeo Karkoski, Diretor Executivo da P3K Comunicação, contribuiu com o encontro contando um relato real: a história da criação da agência e a sua jornada de 15 anos, celebrados no mês de outubro.
Eu e a Camila Piva, minha sócia e esposa, já éramos apaixonados por Comunicação Interna, área em que atuávamos há alguns anos, antes de fundarmos a P3K. Eu trabalhava como Gerente de Comunicação em uma empresa com problemas éticos no trato com os funcionários, e foi justamente isso o que me trouxe a inspiração para fazer diferente.” – contou Elizeo.
Com o desejo de apoiar organizações no desenvolvimento de bons ambientes de trabalho – com bons relacionamentos – e na transmissão de cultura, no acolhimento às suas pessoas e compartilhamento dos valores e princípios, bem como muitos outros pontos importantes desta jornada do colaborador, nasceu a P3K Comunicação.
Através de confissões de vulnerabilidade e de relatos de transformação, Elizeo demonstrou na prática a importância de escutar as histórias das pessoas, acolhendo-as, e sustentando a sua jornada dentro da empresa, se preocupando em proporcionar uma atração constante dos talentos, valorizando-os e dando-lhes oportunidades. Afinal, em sua experiência, percebeu que a cultura organizacional vem justamente das pessoas que trabalham nas empresas.
A empresa foi crescendo com sua cultura inerente e em 2018 passou por um processo de transformação, no qual definimos valores, diretrizes e ritos. Mas a peça central de tudo realmente foram as nossas pessoas. Não podemos impor que o propósito da P3K seja o propósito das pessoas, mas a cultura demonstra o propósito na prática. Percebemos isso quando as pessoas começaram a criar os próprios ritos – como chamar a nossa sede de “P3Kasa”, carinhosamente. A passagem pela P3K faz parte das histórias das pessoas e ficamos alegres em ver que a nossa narrativa é transmitida até mesmo em processos seletivos e entrevistas, já que todos que trabalham aqui se identificam genuinamente com o nosso jeito de ser.” – compartilhou.
Além disso, Elizeo também reforçou a importância do walk the talk e de uma comunicação bottom up, pois todos, inclusive a liderança, precisam estar cientes e demonstrar a cultura e os valores no dia a dia.
Acredito que tratar a Comunicação Interna estrategicamente é primordial para o sucesso do negócio e para a perpetuidade da organização que, para alcançar resultados efetivos, precisa investir em sua cultura organizacional, de modo que todos possam vivenciar as crenças, os ritos e o próprio jeito de ser da companhia. Isso é algo que levo para os clientes e, claro, para a P3K.” – complementa, Elizeo
Discussões finais, trocas e sorteio
No último momento do encontro, Marlene comentou sobre a relevância do relato trazido pelo Diretor Executivo da P3K, pois contou com falas genuínas de vulnerabilidade e demonstrou a importância da transformação contínua e da presença das pessoas no processo, além do fato da P3K aplicar em seus clientes o que aprendeu internamente na sua jornada de 15 anos.
Através de perguntas dos participantes registradas e priorizadas por todos através de voto na plataforma Onlinequestions.org, algumas discussões interessantes foram trazidas. Em uma delas, Marlene comentou: “Cultura não é raiz, cultura é movimento. Precisamos vivenciar a cultura e entender que ela também é evolução. Vejo os valores como algo que permeia a história das organizações. É um legado que expressa o comportamento de um grupo de pessoas, que também evoluem com o tempo e transformam realidades.”
Contraponto e complementando a resposta, Paulo comentou que, dentro do conceito trazido por Marlene – sobre cultura ser um movimento – é preciso também identificar os aspectos que são definidores da cultura de uma empresa. Por exemplo, uma empresa de tecnologia sempre vai ter aspectos de tecnologia em sua cultura, independente das pessoas que passarem por ela.
A partir do contexto de storytelling e “finais felizes”, diante de um mundo cheio de imperfeições e complexidades, Rodrigo Cogo também trouxe a reflexão de que, mais do que nunca, precisamos burlar as estruturas clássicas e os check lists de processos, pois somente assim traremos inovações. Para ele, as narrativas precisam fugir dos métodos tradicionais e das figuras clássicas, sendo autênticas. “O incômodo da vulnerabilidade na narrativa também pode ser um recurso, desde que não seja banalizado e que não exponha o outro”, explica Rodrigo
Para encerrar, foi realizado o sorteio de três livros para os participantes: “Relações Públicas e construção da responsabilidade histórica”, por Paulo Nassar, ganho por Alexandre Costa, da equipe de Comunicação da CHESF em Pernambuco; “História e Memória”, por Marlene Marchiori, ganho por Loyana Demétrio, da MRN do Pará; e “Storytelling, narrativas da memória”, por Rodrigo Cogo, ganho por Pâmera Ferreira, da equipe da P3K Comunicação.
O encontro proporcionou diversas reflexões a todos os participantes, e trouxe a certeza de que momentos intimistas e exclusivos como esses contribuem demais para as nossas próprias histórias e nutrem o nosso potencial enquanto “cientistas da narrativa”.
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